NEGUE-SE A SI
MESMO — E DESCUBRA A VERDADEIRA LIBERDADE
“Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a
sua cruz e siga-me.” Mateus 16:24 (NAA)
Esse versículo, pronunciado pelo próprio Jesus, pode causar
certo impacto, especialmente para quem está dando os primeiros passos na fé ou
para aqueles que veem a vida cristã como uma caminhada sempre suave, sem
grandes exigências. À primeira leitura, negar a si mesmo, tomar a cruz e seguir
a Cristo soa como algo severo — e de fato é. A cruz aponta para morte,
rejeição, humilhação e até maldição. Para quem busca apenas conforto ou uma
espiritualidade sem renúncias, essas palavras soam como um fardo pesado demais.
No entanto, o que Jesus está oferecendo aqui não é um fardo
— é um convite glorioso. Ele nos chama para algo mais profundo, mais
verdadeiro, mais duradouro do que tudo o que este mundo pode oferecer. Esse
chamado não é uma perda, mas um ganho. Não é o fim da alegria, mas o caminho
para uma alegria mais plena. Para compreender isso, precisamos olhar com mais
cuidado e reverência para cada expressão desse convite e nos deixarmos conduzir
por ele até vivê-lo em sua plenitude.
Seguir a Cristo é um convite poderoso, mas profundamente
desafiador. Jesus nunca prometeu um caminho fácil, sem provações. Ao contrário,
o chamado do evangelho exige santidade, renúncia e entrega total. Não há meio
termo. Não é possível seguir Jesus com reservas, escolhendo as partes mais
agradáveis de Sua mensagem e ignorando as exigências do discipulado. O
evangelho nos leva à imitação de Cristo, especialmente naquilo que mais
contraria a lógica do mundo: o sofrimento, a humilhação e o sacrifício. “Não
comereis dele cru, nem cozido em água, senão assado ao fogo: a sua cabeça com
os seus pés e com as suas frissuras.”
Êxodo 12:9 (ARC)
João Wesley, um dos grandes avivalistas da história da
Igreja, dizia que a cruz não representa apenas os sofrimentos comuns da vida,
mas tudo aquilo que suportamos por amor a Cristo. Ou seja, tomar a cruz
significa abraçar as consequências de ser um verdadeiro discípulo — rejeição,
incompreensão, perdas e até perseguição. A cruz, portanto, é o preço de quem
decide não viver mais para si, mas para Deus.
Esse caminho exige a mortificação do eu. João Calvino dizia
que negar a si mesmo é esquecer-se de suas vontades pessoais e se dedicar
inteiramente a buscar a vontade de Deus. Para ele, esse era o ponto de partida
da verdadeira piedade: morrer para si mesmo e viver exclusivamente para o
Senhor. É deixar que Deus governe cada escolha, cada sentimento, cada desejo. É
ceder o trono do nosso coração e deixar que Cristo reine.
Em nossos dias, há muitos que apenas simpatizam com Jesus.
Apreciam seus ensinamentos, gostam de algumas de suas palavras, mas não estão
dispostos a tomar a cruz. Querem a salvação, mas não a renúncia. Desejam os
benefícios do Reino, mas sem abrir mão do controle da própria vida. No entanto,
seguir a Cristo não é um ato esporádico, mas uma entrega diária. Como afirma o
pastor Hernandes Dias Lopes, a cruz simboliza a morte do ego e o senhorio
absoluto de Cristo em nossa vida. Quem deseja seguir o Mestre precisa dizer
"não" ao pecado, "não" ao orgulho e "sim" à
vontade de Deus, ainda que isso custe rejeição e sacrifício. “Jesus lhes
disse: — Em verdade, em verdade lhes digo: se vocês não comerem a carne do
Filho do Homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em vocês mesmos.”
(João 6:53)
John Stott, em sua profunda reflexão sobre a cruz, nos
lembra que o verdadeiro discipulado começa com a entronização de Cristo e a
destronização do ego. Não há discipulado sem cruz. Não há vida cristã sem a
disposição de sofrer por amor a Jesus. Stott dizia que tomar a cruz é aceitar o
mesmo caminho que o Salvador percorreu: o caminho da dor, da humildade, da
obediência até o fim. Carregar a cruz é, portanto, assumir a morte de Cristo
como o modelo da nossa própria existência.
Essa entrega é radical. Jesus não nos chama a um
cristianismo confortável, moldado às nossas preferências. Ele nos convida a
morrer para nós mesmos, para que vivamos inteiramente para Ele. Isso é mais do
que um símbolo religioso; é uma realidade diária. A cruz não é um enfeite, é
uma sentença. É o marco de uma nova vida, onde o eu foi crucificado, e Cristo é
tudo em nós.
Na prática, isso pode significar abrir mão de uma carreira
promissora que contradiz os valores do Reino, perdoar alguém que nos feriu
profundamente, permanecer fiel quando seria mais fácil ceder. Pode significar
orar por quem nos persegue, dar a outra face, amar os inimigos, servir em
silêncio, doar-se sem aplausos. Pode ser suportar com fé uma enfermidade, uma
perda, uma solidão — com os olhos fixos naquele que primeiro tomou a cruz por
nós.
Viver sob o senhorio de Cristo é uma decisão renovada todos
os dias. Não se trata de um ato único, mas de uma vida inteira moldada por esse
chamado. Em um mundo que prega o “faça o que quiser” e o “siga seu coração”, o
evangelho diz: “negue-se a si mesmo”. E essa é a verdadeira liberdade — morrer
para o pecado, viver para Deus.
"O caminho da cruz é o único que conduz à verdadeira
vida — uma jornada de renúncia, mas também de plenitude, onde o eu cede lugar a
Cristo, e o discipulado se torna a mais bela forma de existir."
Que Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo lhes deem graça
e paz.
Pr. Décio Fonseca
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