SENHOR, QUERO TORNAR A VER

“Abre os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua lei.” (Salmo 119:18, NVI)

Uma amiga me perguntou, nesta semana, se eu tinha muitas recordações da infância. Respondi, sem hesitar, que essa é uma das grandes bênçãos que o Senhor me concedeu — as boas lembranças fervilham em minha mente como cenas vivas que o tempo não apagou. Uma delas me leva direto aos meus primeiros anos na fé, ainda uma criança, na amada Igreja de Maria da Graça, no coração do Rio de Janeiro. Foi ali que meu coração começou a ser tocado pelas Escrituras, especialmente nas abençoadas manhãs de Escola Dominical.

Os ensinamentos recebidos naquele lugar moldaram minha caminhada com Deus. Na classe dos Cordeirinhos de Cristo, cercado por cartazes coloridos, flanelógrafos com histórias ilustradas e canções infantis que ecoam até hoje na memória, eu ouvia, encantado, sobre os heróis da fé e os milagres registrados na Bíblia. Foi nesse ambiente de pureza e descoberta que escutei, pela primeira vez, sobre Bartimeu — o cego à beira do caminho.

As “tias” da Escola Dominical narravam aquela cena com tanto carinho, que nós, crianças, quase víamos Bartimeu ali do nosso lado, sentado, pedindo ajuda, esperando por algo — ou alguém — que mudasse sua história. Sentíamos pena dele, claro, mas também uma estranha admiração, mesmo sem saber o porquê. Mas essa semente da fé já vinha sendo plantada em casa. Minha mãe, com sua voz suave e alma devotada, me contava aquelas mesmas histórias antes mesmo que eu pudesse compreendê-las por completo.

O tempo passou, a infância ficou para trás, mas aquela história nunca me deixou. E com os anos, fui entendendo que havia muito mais em Bartimeu do que tristeza e limitação. Entre as linhas daquele texto singelo, escondia-se uma das mais belas expressões de e reencontro com o propósito que eu já encontrei na Bíblia.

Com mais maturidade, comecei a enxergar Bartimeu não apenas como um cego que mendigava à beira do caminho, mas como alguém que, em algum momento, já conheceu o Caminho e andou por ele. Ele sabia exatamente quem era Jesus — e isso fica evidente em seu clamor: “Jesus, Filho de Davi!”. Não era apenas um pedido desesperado por ajuda, mas uma confissão messiânica, carregada de fé e de profundo entendimento das Escrituras.

A forma como Bartimeu é apresentado nas Escrituras também carrega um detalhe simbólico que muitas vezes passa despercebido. Ele é chamado apenas de “Bartimeu”, que significa literalmente “filho de Timeu” — um nome que indica quem era seu pai, mas que nada revela sobre quem ele próprio era. Seu nome verdadeiro não é mencionado. E isso nos leva a refletir: em que momento esse homem perdeu sua identidade individual e passou a ser reconhecido apenas pela sua filiação? Quando foi que sua história pessoal se apagou, dando lugar apenas a uma referência ao outro? É como se sua identidade tivesse se diluído, e ele fosse lembrado apenas como uma extensão de alguém — não por si mesmo.

Isso pode apontar para uma realidade espiritual e emocional mais profunda. A cegueira que o atingiu certamente tenha feito mais do que obscurecer sua visão — apagou sua trajetória, sua dignidade, seu nome. Na cultura da época, um homem sem visão, sem função social e sem autonomia acabava marginalizado, rotulado, reduzido a fragmentos de si mesmo. E assim ele se tornou: um nome incompleto, um rosto sem nome, uma história sem continuidade.

É possível que Bartimeu tenha passado muito tempo ouvindo apenas os rótulos que o mundo lhe impôs: o cego, o filho de Timeu, o mendigo à beira do caminho. Sua identidade foi se dissolvendo aos poucos, até que tudo o que lhe restou foi uma capa surrada e um lugar à margem do caminho e da sociedade. Sua cegueira física passou a simbolizar algo ainda mais profundo: a perda do próprio valor, do propósito, do nome. Era também uma cegueira espiritual — a ausência de revelação, o distanciamento do propósito de Deus, a perda da direção do Espírito Santo. Fora da rota da dignidade e do chamado, Bartimeu era conhecido apenas por sua condição e por sua filiação — como se sua história tivesse sido apagada e substituída por um estigma.

Mas, em um dia que parecia comum, Jesus passou por ali. E, mesmo cego, Bartimeu percebeu. Ele ouviu o burburinho da multidão e entendeu, com o coração, que aquela era sua chance. Com a voz — talvez o único recurso que ainda lhe restava — começou a clamar com insistência: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” (Marcos 10:47, NVI)

Seu grito não era apenas fruto do desespero — era fé viva em ação. Ele não enxergava com os olhos, mas via com o coração. Reconhecia Jesus como o Messias, não por experiência sensorial, mas por convicção espiritual, talvez baseada nas Escrituras que um dia ouvira ou conhecera, nos profetas que anunciavam aquele que viria da linhagem de Davi. É possível que tivesse escutado relatos de milagres, conhecido alguém transformado pelo Homem de Nazaré, ou até mesmo vivido algo marcante em sua própria história. O fato é que ele cria — e, como sempre acontece quando há fé sincera, Jesus parou.

Antes mesmo de se aproximar de Jesus, Bartimeu tomou uma atitude simbólica e poderosa: lançou fora sua capa. Aquela peça suja e desgastada, que por tanto tempo o protegeu e o identificou, foi deixada para trás. Era como se ele dissesse: “Não preciso mais disso. Estou pronto para o novo.” Ele abriu mão do que representava sua dor e sua antiga identidade, porque cria que algo novo estava prestes a começar.

Ao se aproximar, Jesus lhe faz uma pergunta que, embora pareça simples, carrega uma profundidade imensa: “O que você quer que eu lhe faça?” (Marcos 10:51, NVI). E Bartimeu responde com surpreendente clareza: “Mestre, eu quero tornar a ver.” Ele não diz apenas “quero ver”, mas tornar a ver, revelando que um dia já tivera visão — física e espiritual — e a havia perdido. Seu pedido não era apenas por cura, mas por restauração. Ele queria reencontrar aquilo que um dia iluminou seu caminho. “Lembra-te, pois, de onde caíste! Arrepende-te e volta à prática das primeiras obras.” (Apocalipse 2:5a, NVI)

Seu pedido vai além da cura física. Ele desejava restaurar o que havia sido apagado: o propósito, a clareza, a luz da alma. Não pediu esmola, nem uma nova capa. Ele queria de volta a visão da verdade e a identidade que só Deus poderia restaurar.

Jesus então responde com autoridade e ternura: “Vá, a sua fé o curou.” (Marcos 10:52, NVI)
Imediatamente, Bartimeu torna a ver. Mas ele não volta para o seu antigo lugar. Não busca a capa deixada no chão. Ele agora segue Jesus pelo caminho. Sai do anonimato de “filho de Timeu” e passa a ser discípulo do Filho do Deus Vivo.

Quantos hoje vivem como Bartimeu? Pessoas que já enxergaram o propósito, já caminharam com Deus, foram cheias do Espírito Santo, usadas com graça e poder, impulsionadas por uma visão clara do Reino. Mas, por algum motivo — feridas, quedas, distrações ou decepções —, perderam a visão.

Permitir que a chama do Espírito se apagasse foi como ser lançado à margem, longe do centro da caminhada. Agora vivem agarradas a uma “capa” que representa dor, culpa, sobrevivência. Mas Jesus ainda passa, e ainda chama. Com graça e amor, Ele continua perguntando: “O que você quer que Eu lhe faça?” (Marcos 10:51, NVI)

Se esse é o seu caso, ouça o chamado. Lance fora o que ficou para trás. Responda com sinceridade: “Senhor, quero tornar a ver.” Tornar a ver o propósito. Tornar a ver o caminho.
Tornar a ver quem você é em Cristo. E, ao se levantar, não volte para o mesmo lugar. Não busque a velha capa. Siga Jesus pelo caminho, com os olhos restaurados e o coração cheio de fé.

Que Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo lhes deem graça e paz.

Pr. Décio Fonseca

 

28_sex_mar_25

Nenhum comentário:

Postar um comentário

  JAIRO: UM PAI QUE BUSCOU JESUS POR SUA FILHA “Não tenha medo; apenas creia.” Marcos 5:36 (NAA) Quando meu primogênito ainda era um be...